Era uma vez uma cidade, escondida no vale de uma cordilheira de montanhas, a muitos meses de caminho da povoação mais próxima.
Certo dia, aconteceu algo inaudito, impensável até para alguns: apareceu um viajante. Não havia memória da última pessoa que tivesse chegado ou partido da cidade. Outros duvidavam que isso alguma vez tivesse acontecido.
Foi, por isso, recebido com grandes honrarias. O perfeito da cidade acolheu-o em sua casa e todos lhe ofereciam amizade e partilhavam a sua mesa para poderem ouvir as suas histórias em primeira mão.
Ao fim de poucos dias, quando se habituou à hospitalidade daquele povo, o recém-chegado finalmente percebeu porque achara aquela cidade tão estranha à primeira vista: não havia uma única flor na cidade ou nos campos. O seu olhar entristeceu-se mas com receio de ofender os seus bondosos anfitriões nada lhes disse.
Instalou-se como carpinteiro e em breve já dormia na sua própria casa.
Nos seus afazeres diários frequentemente suspirava “quem bem ficaria aqui um malmequer para me alegrar o dia”. Ou noutras vezes “ que saudades tenho das margaridas e dos amor-perfeitos”.
Os habitantes daquela pacata cidade não demoraram a notar que o forasteiro, embora falasse a sua língua, utilizava muitas palavras estranhas. E dessas palavras estranhas, havia uma mais repetida que todas as outras e que era acompanhada por longos suspiros e olhares perdidos no horizonte: “rosa”.
À medida que a amizade com o forasteiro crescia, finalmente ganharam coragem para questioná-lo sobre aquelas palavras estranhas que nunca tinham ouvido falar.
Respondeu-lhes: “Ah, as flores! Flores são como as ervas e as árvores dos vossos campos, mas de uma beleza indescritível e de um cheiro maravilhoso. De onde eu venho há flores por todo o lado e em todas as casas. É uma alegria entrar numa casa florida, ou passear num campo e não há coração que resista à oferta de uma rosa vermelha. Dão cor à nossa vida”
A partir daquele momento não houve uma única alma na cidade que não desejasse conhecer essas plantas tão especiais. Principalmente as raparigas. Passaram também a suspirar por flores e todas as noites lhe pediam que lhes descrevesse mais um pedacinho de cada flor, o seu aspecto, o seu cheiro, suplicando por fim que lhes repetisse novamente tudo sobre as rosas.
Aos poucos, todos os habitantes já falavam de flores como se sempre as tivessem cultivado nos jardins e já imitavam o seu amigo com expressões como: “que falta me fazem uns lírios aqui nesta varanda”
Passaram inclusivamente a celebrar o dia da flor entre as montanhas. Partilhavam ensinamentos entre todos sobre qual a melhor forma de semear e cultivar os diversos tipos de flores. Planeavam-se expedições que nunca saiam do papel em busca de sementes.
Passados muitos anos o forasteiro morreu. As expedições continuaram a ser planeadas, o dia da flor celebrado e os ensinamentos transmitidos. Os apaixonados continuaram a galantear as suas pretendidas com expressões como: “ és bela como uma rosa”, “os teus cabelos são como girassóis reluzentes ao sol”, “os teus olhos têm o encanto das violetas”. Os velhos continuaram a suspirar pelas flores como se verdadeiramente as tivessem conhecido, mas aos novos restava apenas o hábito e uma ténue curiosidade em conhecer tais plantas. Havia até quem começasse a duvidar que elas existiam e chamavam para si mesmos de patetas aqueles que acreditavam.
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